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02 setembro, 2014

18 fevereiro, 2013

Elvis não morreu


Nunca contei a ninguém: conheci Elvis Presley. Foi um momento muito estranho, e tão mórbido, que as palavras nunca conseguiram sair de minha boca, como se tivessem se dissolvido feito areia e sido enterradas na memória.
                        Foi numa tarde quente do verão argentino, numa casa nos arredores de Buenos Aires. Era a casa de um amigo, nos víamos frequentemente embora não fossemos propriamente íntimos. Conhecêramo-nos anos antes, através de amigos em comum, em um encontro inesperado, numa livraria, no centro da cidade. Recordo que me surpreendi enquanto falava entusiasmado sobre um autor também argentino – Adolfo Bioy Casares – que reconhecia como o melhor autor latino-americano do século XX. Minha surpresa deitara preguiçosamente no fato de nunca ter ouvido falar em tal nome, e no tom veemente, quase que obsessivo, em que ele falava.

                        Cheguei em sua casa por volta das três da tarde. Recebeu-me como de costume: cordial, mas reservado. Conversamos por algumas horas e de tempos em tempos interrompia o pensamento, pedia licença e sumia pelo corredor estreito que levava ao interior da casa. Nesses momentos, eu podia distinguir a voz melodiosa de Elvis, que parecia ressoar do chão. Na quarta vez em que a canção começou a tocar, um pouco ansioso e visivelmente incomodado, pediu que o acompanhasse até o porão da casa. Á medida que descíamos as escadas, a voz de Elvis aumentava, e o que era mais estranho é que parecia real e não uma gravação ou sua voz no rádio. Senti meu sangue congelar quando o vi lá, no fundo do porão, vestido como em seu último show, cantando e dançando. Era Elvis. Diante de minha cara de terror e fascínio, meu amigo lentamente contou-me que havia criado uma máquina muito parecida com aquela do romance de Bioy Casares, e que num show, da década de 70 – seu último show – havia capturado a imagem do cantor que eu, ali, presenciava. Dois meses depois, Elvis foi encontrado morto no banheiro de sua mansão, pela namorada.

Leituras:
O pequeno livro do Rock - Hervé Bourhis
A invenção de Morel - Adolfo Bioy Casares