Nunca
contei a ninguém: conheci Elvis Presley. Foi um momento muito estranho, e tão mórbido,
que as palavras nunca conseguiram sair de minha boca, como se tivessem se
dissolvido feito areia e sido enterradas na memória.
Foi numa tarde quente do
verão argentino, numa casa nos arredores de Buenos Aires. Era a casa de um
amigo, nos víamos frequentemente embora não fossemos propriamente íntimos. Conhecêramo-nos
anos antes, através de amigos em comum, em um encontro inesperado, numa
livraria, no centro da cidade. Recordo que me surpreendi enquanto falava
entusiasmado sobre um autor também argentino – Adolfo Bioy Casares – que reconhecia
como o melhor autor latino-americano do século XX. Minha surpresa deitara
preguiçosamente no fato de nunca ter ouvido falar em tal nome, e no tom
veemente, quase que obsessivo, em que ele falava.
Cheguei em sua casa por
volta das três da tarde. Recebeu-me como de costume: cordial, mas reservado.
Conversamos por algumas horas e de tempos em tempos interrompia o pensamento,
pedia licença e sumia pelo corredor estreito que levava ao interior da casa.
Nesses momentos, eu podia distinguir a voz melodiosa de Elvis, que parecia
ressoar do chão. Na quarta vez em que a canção começou a tocar, um pouco
ansioso e visivelmente incomodado, pediu que o acompanhasse até o porão da casa.
Á medida que descíamos as escadas, a voz de Elvis aumentava, e o que era mais
estranho é que parecia real e não uma gravação ou sua voz no rádio. Senti meu
sangue congelar quando o vi lá, no fundo do porão, vestido como em seu último
show, cantando e dançando. Era Elvis. Diante de minha cara de terror e
fascínio, meu amigo lentamente contou-me que havia criado uma máquina muito
parecida com aquela do romance de Bioy Casares, e que num show, da década de 70
– seu último show – havia capturado a imagem do cantor que eu, ali, presenciava.
Dois meses depois, Elvis foi encontrado morto no banheiro de sua mansão, pela
namorada.
Leituras:
O pequeno livro do Rock - Hervé Bourhis
A invenção de Morel - Adolfo Bioy Casares
1 comentários:
Oi Lívia!
Que Elvis não morreu, todos já sabem. [sorrio]
http://jefhcardoso.blogspot.com lhe convida e espera para ler e comentar “O Grande Circo Nonsense – Vila Abranches”. Abraço.
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